quinta-feira, 30 de agosto de 2012

EDU LOBO POR PAULO CÉSAR PINHEIRO



Paulo César Pinheiro
Conheci Edu no final da década de 60. Eu já tinha uma obra grande com Baden e iniciava parcerias com novos amigos, entre eles, Dori e Francis. Nos encontrávamos todos em casa de Olívia, nos fins de semana, às vezes na de Tom, e outras na de Marcos Valle, em reuniões musicais que se estendiam até de manhã. Cada um tinha sempre, uma música mais bonita pra mostrar. E isso estimulava o companheiro. Era uma enxurrada de coisa boa. Riqueza de acordes novos. Belíssimas melodias. Achados de letras. Edu é um compositor que sempre me fascinou, desde o começo. Havia um mistério em seu canto que me envolvia. Melodista de mão-cheia, caminhava por baiões e réquiens, frevos e modinhas, marchas e canções, como um grande mestre da arte de criar. O sangue nordestino fervia em suas veias, em seu peito pulsava um coração negro e de sua voz vinham tristes cantos brasileiros. Isso me encantava e me atraía. Como Edu sempre teve parceiros excelentes (Vinicius, Torquato, Capinam, Guarnieri), eu ficava olhando de longe e admirando a qualidade de seu trabalho. Fora o fato de que, quando arriscava escrever letras, também não devia nada a nenhum de nós.
Até que aconteceu a nossa junção. Encontro aqui, encontro ali, amizade nos unindo, afinidades, e de repente estávamos unindo nosso talento. Vento bravo foi a primeira. E, daí em diante, muitas outras. Não tantas quanto eu gostaria, mas todas assinadas embaixo com orgulho e prazer.
Um dia a gente ainda embala uma safra grande e recupera o tempo perdido, né, Edu?
(Paulo César Pinheiro)

P.S. As primeiras cinco músicas são da trilha sonora do Rá-Tim-Bum. Daí, os diversos intérpretes.

Acalanto (com Caetano)

Bate-Boca (com Quarteto Quatro por Quatro)

Preguiçosa (com Joyce)

Salabim (com Maíra)

Sete Cores (com Jane Duboc)

Dos Navegantes

Vento Bravo

 Dança do Corrupião


Coração Cigano
 
Primeira Cantiga


Perambulando 


Tantas Marés (Ex -Vestígios)


P.S. Faltaram duas músicas: Wendy (juro que desconheço totalmente, mas consta do site oficial do Edu) e Qualquer caminho, do último álbum. Não conseguir baixá-la. (R.L.)  
 



domingo, 31 de julho de 2011

EDU LOBO ASSINA A TRILHA SONORA DE "NÃO SE PREOCUPE, NADA VAI DAR CERTO"

Tarcísio Meira em cena do filme dirigido por Hugo Carvana

Ele já fez a trilha sonora de filmes como O Xangô de Baker Street e Guerra dos Canudos. Agora, Edu Lobo foi convidado por Hugo Carvana para assinar as músicas da comédia Não se preocupe, nada vai dar certo. “A trilha foi bastante simples de fazer”, confessa Edu. “Fantástico mesmo foi trabalhar com o Carvana. Ele é extremamente musical, gosta de trilha sonora. Tem diretor que é excelente, mas é surdo, não entende nada de música”.




A própria filmografia de Carvana mostra a valorização da música em seu trabalho. Já foram escritas para seus filmes músicas como: “Vai Trabalhar Vagabundo” e “Feijoada Completa”, hoje clássicos de Chico Buarque. Em Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo, a música-tema foi escrita por Edu Lobo e Paulo César Pinheiro e chama-se: “Corda Bamba”.

Carvana explica como chegou até Edu Lobo: “As músicas nos meus filmes, vão surgindo lentamente. Nesse caso, comecei a perceber que precisava de uma música com sofisticação harmônica, não queria a coisa ritmada da canção popular. E quem poderá fazer uma música que não precise necessariamente ser uma música da piada, do efeito sonoro da gargalhada?” a resposta estará nas telas dos cinemas.

Estrelado por Tarcísio Meira, Gregório Duvivier, Flávia Alessandra, Ângela Vieira, Mariana Rios, Herson Capri e Antonio Pedro Borges, Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo, é co-produzido pela Globo Filmes tem estreia nos cinemas marcada para o dia 5 de agosto.

Fonte: Jornal do Brasil
Por Heloisa Tolipan
Com Pedro Willmersdorf

quarta-feira, 11 de maio de 2011

BAR ACADEMIA

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O PERSEGUIDOR DAS CANÇÕES


Eric Nepomuceno, no Valor Econômico, em 05 de fevereiro de 2011

Chove forte na noite de uma terça-feira no Rio. E só mesmo uma chuva dessas, um aguaceiro desvairado, para fazer Edu Lobo, cuja pontualidade rigorosa é tema de brincadeira entre os amigos, atrasar exatos 16 minutos. Chega ao restaurante Gero, em Ipanema, de camisa cor de cinza-chumbo e calça jeans escura, e diz: "Com esta chuva, não preciso explicar meu atraso, não é mesmo?"

Edu Lobo é compenetrado, discreto. Nos últimos anos tornou-se extremamente caseiro. Quando sai para jantar - ele não costuma almoçar -, sabe exatamente aonde ir. Quando marcamos este encontro, disse: "Ah, vamos ao lugar de sempre, o Gero". Na mesa, é exigente: gosta de comer bem e é meticuloso na escolha do vinho. Durante anos e anos jantou uma vez por semana, compromisso rigoroso, com um trio de amigos: Chico Buarque, seu parceiro em dezenas de canções, e os cineastas Ruy Solberg e Miguel Faria. Era o responsável pela escolha do vinho. Os jantares agora andam raros, mas quando acontecem a mesma pergunta se repete: "Edu, que vinho vamos tomar?"

Conta que está chegando de uma longa jornada de trabalhos. Acaba de terminar, nesta terça-feira de chuva, a trilha sonora para o novo filme do diretor Hugo Carvana, "Não se Preocupe, Nada Vai Dar Certo", uma comédia que traz Tarcísio Meira de volta para os cinemas. E conta que também terminou o último dos três movimentos de uma suíte especialmente encomendada pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp. Na verdade, de 2004 para cá ele anda trabalhando muito. Aquele foi um ano cruel: Edu sofreu um aneurisma, foi operado de emergência, diz que viu a morte de perto. Recuperado, sentiu que muita coisa havia mudado em sua vida. E desandou a trabalhar. Voltou a fazer shows, gravou um documentário primoroso - "Vento Bravo", dirigido por Regina Zappa e Beatriz Thielmann - sobre sua carreira, tornou a compor, coisa que havia se tornado mais difícil.

O mais curioso talvez seja sua volta aos palcos. Desde que lançou "Tantas Marés", no ano passado, tem feito shows pelo Brasil. Conta aquilo que os amigos já sabem e o público tem percebido por onde quer que ele passe: se durante anos foi avesso aos palcos e holofotes, tanto que largou tudo - em 1969 - para ir estudar música na Califórnia, com o argumento de que não queria ter vida de cantor e sim de compositor, isso mudou. Pois Edu desandou a gostar, e muito, de fazer shows. Que, aliás, têm tido um êxito consistente.

Ele, que nunca foi exatamente um cantor das multidões, preferindo sempre ambientes pequenos, de atmosfera amena e intimista, vem lotando teatros de mais de 2 mil lugares.

Sim, Edu é compenetrado, discreto, meticuloso, exigente. Durante décadas teve um grau de exigência com seu trabalho que deixava os amigos impressionados. Um perfeccionismo rigoroso, que fazia que cada nota, cada acorde, fosse objeto de uma perseguição insaciável. Não que tenha afrouxado em seu rigor: apenas deixou que suavizasse um pouco.

Na sua geração - talvez a mais formidável da música popular brasileira no século passado - ele sempre se caracterizou pela seriedade em seu trabalho. Foi, de todos - e nesse "todos" estão nomes como os de Dori Caymmi, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento -, o primeiro a compor um autêntico clássico do cancioneiro popular, "Pra Dizer Adeus". Depois, é verdade, todos eles compuseram clássicos. Mas Edu foi o primeiro e não ficou só em um.

Há uma história que ilustra bem o peso e o valor da sua música. Há várias, na verdade, mas vamos ficar com essa.

Conta-se que certa vez Jacob do Bandolim gravava um disco num estúdio ao lado de onde era gravada "Canto Triste", obra mestra de Edu e Vinicius de Moraes.

Num intervalo da própria gravação, Jacob, crítico implacável e impiedoso, resolveu dar uma espiada no estúdio vizinho. E, ao ouvir "Canto Triste", fez o seguinte comentário: "Até que enfim consigo ouvir uma música inédita!" É que ele achava quase tudo o que era feito naquela época mera repetição do que tinha ouvido pela vida afora.

Bem, pode ser que essa seja mais uma das típicas histórias do Rio que circulam com ares de verdade, embora ninguém diga que a tenha presenciado ou participado dela. Pois se não aconteceu, poderia perfeitamente ter acontecido: desde sempre, desde seus primeiros trabalhos, Edu despertou a admiração profunda não apenas de seus companheiros de geração, mas dos mestres que vieram antes. Não sem razão o maestro soberano Tom Jobim gravou com ele um disco antológico.

Aliás, é bom lembrar que Tom Jobim só dividiu discos (participou em muitos álbuns alheios, é verdade; mas dividir mesmo foram só esses) com quatro nomes. Dois deles eram intérpretes magistrais, Elis Regina e Frank Sinatra. Outro era um compositor elevadíssimo, Dorival Caymmi. O quarto nome foi Edu Lobo. Isso diz do valor que o maestro soberano dava à obra de seu mais fiel discípulo.

Pois é esse discípulo que agora escolhe o que vai jantar. Recomenda, enfático, o "stinco d'agnello" - uma canela de cordeiro. Não tem êxito: a fotógrafa escolhe um haddock, eu fico mesmo com uma massa ao vôngole. Já a segunda recomendação de Edu é acatada pela fotógrafa - que seu haddock seja acompanhado pelo purê de batatas do Gero, único no Rio, de qualidade excepcional. Na hora da escolha do vinho, após um rápido exame na carta, o eleito é um Dolcetto d'Alba. Edu conta que aprecia bastante os vinhos italianos, que conhece pouco dos espanhóis, menciona os brancos da Nova Zelândia, fala dos bons malbecs argentinos e dá por entendido que não precisa nem mencionar os franceses, que considera de outra categoria, incomparáveis. É como se existissem bons vinhos, vinhos excelentes, vinhos interessantes e, pairando acima de todos, os franceses.

Quando fala dos assuntos de sua predileção, Edu pode chegar a ser enfático. Tem hábitos peculiares, que mostram sua capacidade de exigir de si mesmo todos os detalhes do perfeccionismo e de uma curiosidade rigorosa, atenta. Por exemplo: gosta de ouvir música, especialmente música clássica, lendo a partitura. É uma forma de mergulhar nos meandros da música. Nada mais afastado da realidade, porém, que essa imagem de alguém profundamente dedicado a uma só forma de expressão ou circunscrito apenas à sua área de ação.
Os amigos continuam se surpreendendo com a paixão de Edu pelo cinema (prefere ver filmes em casa, numa televisão de tela imensa) e pelo leitor ávido, que é capaz de lembrar detalhes de seus autores prediletos. Discorre sobre filmes como se fosse um disciplinado estudioso de cinema e conhece de literatura o suficiente para conversar horas com quem é do ramo. Ou seja: nada mais distante dele que a imagem de um músico obcecado apenas pelo próprio universo. Ele tem, isso sim, a capacidade de esmiuçar sobre cinema, teatro ou literatura com a mesma segurança, ou quase, com que esmiúça a obra de músicos ou a forma de criar e estruturar orquestrações e arranjos complexos. Diz, por exemplo, que Debussy mudou a história da música e é capaz de falar horas explicando como foi que isso se deu. As orquestrações de Ravel ou Stravinsky, a música de Chopin, tudo isso pode ser tema de jantares prolongados.

Há, porém, algumas facetas de Edu Lobo que ficam escondidas do público e de quem não o conhece mais de perto. Ele é, sim, um sujeito contido, discreto, perfeccionista, exigente. Mas é, ao mesmo tempo, dono de um humor ágil e afiado, um cozinheiro aplicado (seus risotos, em especial o de abóbora, costumam deixar saudades) e, o que é mais surpreendente, um imitador impagável. Nesse campo, sua principal atuação é trazer de volta a voz, as frases e a maneira de falar de Tom Jobim. Também é craque ao imitar os pernambucanos, em especial o cantor e compositor Lenine. Faz essas imitações com compenetrada seriedade, como se estivesse afinando o violão.

Mas nesse jantar não haverá nada disso. Entre seu "stinco d'agnello" e o Dolcetto d'Alba, conversamos sobre sua maneira de trabalhar, de como surgem as composições que, muitas delas, muitíssimas, permanecem impregnadas na memória de quem as ouve. Edu observa que a maioria das canções que permanecem no imaginário das pessoas é de baladas, melodias lentas. Não se refere apenas às suas canções, mas bem que poderia: afinal, de "Pra Dizer Adeus" a "Beatriz", de "Canto Triste" a "Valsa Brasileira", são lentas e tristes as músicas dele que superam, em número, outros clássicos, como "Ponteio", "Vento Bravo" ou "Upa, Neguinho". Diz estar convencido de que as baladas, as canções tristes, "duram mais tempo, ficam mais, você precisa ouvir mais vezes para mergulhar fundo". Deve ter razão. Algumas de suas canções mais conhecidas nunca venderam muitos discos. Mas, passados os anos, são justamente as que mais emocionam o público, e as pessoas cantam com ele.

No show de lançamento de seu "Tantas Marés", no ano passado, ele deixou "Pra Dizer Adeus" como última música. O teatro lotado cantou com ele, e muitas, muitas pessoas choravam de emoção - tanta que o próprio Edu se juntou ao cordão da choradeira. As canções mais tristes, além disso, são as que mais dão trabalho na hora de ser feitas.

Para Edu Lobo, a música nasce a partir de um determinado desenho harmônico. É sobre a harmonia que ele constrói a melodia, e dessa junção vem, de maneira natural, o ritmo, e tudo se une na forma final. Fala de sua admiração por aqueles que considera grandes criadores de harmonias, começando, é claro, por Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim. Ressalta, na música popular, as harmonias de Dori Caymmi e Toninho Horta e avisa que vai parar de citar nomes para evitar as injustiças de um eventual esquecimento. Fala, também, daqueles que considera grande melodistas e se lembra de quatro exemplos: Ary Barroso, Dorival Caymmi, Noel Rosa, Custódio Mesquita.

Como todos os integrantes da sua geração, fala de Tom Jobim com uma admiração sem tréguas nem limites. De suas muitíssimas histórias com o maestro - foram muito amigos, Tom tinha carinho especial por Edu e seu trabalho - existe uma que ele repete sempre, e aí, uma vez mais, salta à arena o imitador insuperável. Ele conta que, quando os dois gravavam o disco "Edu&Tom", em determinada altura o parceiro de trabalho criou uma harmonia nova para "Pra Dizer Adeus". Foram alguns poucos acordes, exatos e surpreendentes, que mudaram - e para melhor, ele admite - a estrutura da canção. Pois na hora de gravar, quando Edu fez exatamente a harmonia criada por Tom Jobim, ouviu dele a seguinte e insólita frase: "Que beleza de acorde, Edu. Você é craque!"

Bem: não é só desse humor, dessas tiradas instantâneas, que ele e outros amigos de Tom, como seu parceiro Chico Buarque, têm saudades. Na verdade, o vazio deixado por Tom Jobim é imenso, mas não se trata de falar nisso agora, quando é pedida a segunda garrafa de Dolcetto e uma porção de bom queijo para arrematar esse jantar que já dura quase três horas. Depois de pedir licença delicadamente, a fotógrafa já se foi, enfrentando a chuva que continua, impiedosa, pela madrugada recém-iniciada.

Agora, Edu lembra-se de outras passagens de sua vida de músico. Fala da emoção infinita de quando, aos 19 anos, fez sua primeira música com Vinicius de Moraes, lembra-se de como foi conhecer ícones incontestes como o maestro Gil Evans - que, em parceria com Miles Davis, criou alguns dos discos insuperáveis do jazz - e da noite em que, morando em Los Angeles, deu uma carona para outro mito, o pianista Bill Evans. Relembra-se das madrugadas em que era despertado por telefonemas de Chico Buarque, empolgado por ter finalizado uma letra, e deixa escapar, discretamente, que anda sentindo falta de trabalhar com ele. E torna a falar de como é seu trabalho hoje, e de como é diferente do de seus inícios de carreira - uma carreira que começou há mais de 45 anos, e se manteve sempre vigorosa.

De seu disco "Tantas Marés", diz que "tem uma certa serenidade". Uma serenidade que foi alcançada com o tempo e com muito trabalho. No início, Edu compunha no violão. Depois de sua longa temporada na Califórnia, no fim dos anos 60, quando estudou orquestração, passou aos poucos para o piano. "É um instrumento com muito mais recursos, com mais extensão, a música passa a ganhar mais voo, mais amplidão", explica, e em seguida acrescenta: "Claro que estou falando o óbvio, mas é que quando gosto de um assunto acabo falando muito e dizendo o óbvio..."
Desde aquele início já longínquo, sua maneira de compor continua basicamente a mesma. Precisa de isolamento, de recolhimento. Diz que jamais conseguiu fazer música em quarto de hotel ou sentado em algum café, rabiscando ideias e notas num guardanapo. Precisa de tempo e de saber que está sendo pressionado de alguma forma. E que por isso gosta de trabalhar atendendo a encomendas - trilhas para filmes, para peças de teatro, para balés. Aliás, é bom lembrar que quase toda a sua obra com letras de Chico Buarque, canções imbatíveis, nasceu de encomenda.

Agora já passou da 1 da manhã, hora de ir embora. E lá vai ele, de Ipanema para a casa espetada numa colina de São Conrado. Lembra que quando comprou o terreno e fez a casa projetada por Marcos Vasconcellos, tinha uma vista absoluta do mar. "Dava quase para ver Angola", comenta, rindo. Agora, aparecem apenas nesgas do Atlântico no meio do paliteiro de prédios erguidos lá embaixo.

Dessas coisas ele diz sentir saudades. E também dos discos de vinil, dos musicais da Metro, do deslumbramento que era o cine Metro com seu ar-condicionado poderoso, e de quando era possível ir a uma festa e na volta ir cochilar na areia à espera do amanhecer. E dos amigos que se foram, e de coisas que já não existem.

Mas, antes de parecer saudosista, volta o humor, aquele humor. E lá se vai ele, para o casarão branco e avarandado, onde aprendeu a não ter medo de ficar sozinho, onde vive cercado pelas árvores que vê da janela do estúdio onde passa horas a fio, cercado de livros, discos e partituras, na infinita perseguição da canção que vai chegar.

Pode ser que essa canção demore. Aliás, costuma demorar. Mas, perseguidor tenaz e paciente, Edu Lobo saberá, uma vez mais, apanhá-la no ar.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

EDU LOBO É IRADO, TÁ LIGADO, BRÓDI?


Por Arnaldo Bloch, do jornal "O Globo"

Estacionei a bicicleta em frente ao BB
lanches e, enquanto acertava as extre-
midades da tranca, ouvia a conversa
da rapaziada.
— Aquele som é irado. Frenético.
— Caraca, bródi, mandaí. Fiquei bolado.
— Sinistro.
Atei o cadeado, empinei o nariz e tive cer-
teza de que o som era um rap, um funk, ou
algo que não soasse minimamente eficaz sem
uma roda de subwoofers estourando o asfalto.
Entre as gírias, contudo, identifiquei elemen-
tos estranhos ao contexto aprioristicamente
estabelecido (precontexto?):
— Anos 60, bródi, a música brasileira bom-
bava, Edu Lobo era sinistro, compositor de
responsa. “Ponteio” ganhou o festival, tá liga-
do? “Ponteio”, tá ligaaaaado, bródi?????
Pisquei umas três vezes para checar se era
a endorfina que me fazia ouvir vozes e dei
uma porrada no tornozelo em vias de câim-
bra. Mas as vozes não davam trégua:
— Viu o Quarteto Novo no acompanhamen-
to, bródi? Quarteto Novo e Edu Lobo era um
esculacho, Hermeto quebrava tudo.
Era isso mesmo: os presumidos três pate-
tas, que minutos antes não passavam de uns
manés mais alienados que a própria aliena-
ção, convertiam-se, num átimo, em adolescen-
tes esclarecidos, discutindo, com os recursos
idiomáticos à disposição, o panorama da mú-
sica brasileira nos anos 60, e faziam juízos de
valor numa escala primária, mas correta.
Dias antes, num debate do qual participara
na Biblioteca Nacional, para um público de
ensino médio (com Mauro Ventura e Vítor Ió-
rio na mesa), alguém, entre os catedráticos
presentes, puxou a ladainha:
— A juventude não lê. Não sabe de nada.
Fica à mercê da televisão e da internet.
Eu, que sou bem mais jovem que o dito ca-
tedrático, já defendi muito essa ideia, que po-
de ter lá suas razões de ser. Mas, diante de um
público de ensino médio atento, simpático e
interessado, puxei pelo meu registro mais mo-
derado e, talvez, temperado pelos primeiros
ventos da maturidade.
— Quer saber? Cansei dessa conversa de
que a juventude não lê. E, se não lê, de quem
é a culpa? Dos professores, do ensino, do des-
prezo pelo conhecimento de humanidades,
do espírito de competição acirrada e de inte-
resse ultraespecializado, da falta de ideias e,
sobretudo, da ausência de um chefe de Esta-
do que faça a revolução pela educação, aque-
la que ninguém tem coragem de assumir co-
mo prioridade? — discursei.
Uma semana depois, em bate-papo com a
atual turma de estagiários do GLOBO (cheia
de gente a fim de inovar) conduzido pelo Luiz
Paulo Horta, eu repercutia minhas impres-
sões, partindo para uma autocrítica de meus
tempos de adolescente em Copacabana.
— A gente fala muito das novas gerações,
mas se eu for analisar, passei a minha juven-
tude assistindo a “Star Trek”, “Vila Sésamo”,
chupão da Sandra Bréa na novela das dez e,
nos intervalos, folheando revista de mulher
pelada. Tudo bem que as noites eu consumia
em claro lendo clássicos (indicados por meu
pai, não pela escola) e tentando escrever
uma obra-prima (nos intervalos, mais mu-
lher pelada...), e pela manhã mamãe achava
que eu estava tuberculoso. Consciência po-
lítica, nascido que fui em 1965 e não tendo
tido pais militantes, a minha, então, era ze-
rinho da Silva. Só acordei para a vida ao gon-
go de Vianninha e Millôr, quando a censura
caiu aos 45 do segundo tempo, e os teatros
fervilharam.
Tudo isso para dizer que essas sentenças
sobre a juventude dos outros são o maior pa-
po brabo. Um colega aqui da arte discorda:
diz que o tal encontro no bicicletário do BB
lanches foi como um raio divino, exceção das
exceções, o cara citando Edu devia estudar
música, daí aquela espuma de conhecimento
borbulhando no mar de gírias.
Sei não. Saber escolher o que ler e o que
saber na internet não é muito diferente de se
antenar com as prateleiras de uma biblioteca.
Sem interesse, sem paixão, não se vai encon-
trar nada que preste, no papel ou no monitor,
hoje ou há cem anos, com as gírias de hoje ou
as do baú do tataravô.
Dizem que o mundo atual é tribalista. Quem
quiser conversar sobre o quanto Edu Lobo é
irado, tá ligado, bródi? (no meu tempo eu diria
Edu Lobo é um barato, morou, xará?, e meu pai
talvez dissesse Edu Lobo é bacana, manja,
meu chapa?, e vovô diria que o Edu é batuta,
supimpa, XPTO, e vamos), mas como eu ia di-
zendo, quem quiser encher a bola de Edu Lo-
bo vai encontrar a turma certa na casa de su-
cos certa, na gíria certa, sem prejuízo ou ex-
clusão da turma do funk, isso quando as duas
turmas não se cruzarem nas fusion sessions ou
nas pistas ao som de remixes geniais. E digo
mais: uhuuuuu, isssssssa, cáspite, caraca.
Culpar a juventude é o mesmo que culpar a
política, o jornalismo, o direito, a medicina,
pelos erros do político, do jornalista, do juiz,
do médico. O mesmo que culpar o funk pela
violência dos indivíduos. É o medo de olhar
para o umbigo da própria ignorância, o enve-
lhecimento das ideias, a preguiça de transfor-
mar, de compreender as novas falas quando
estas anseiam por conhecimento mas rejei-
tam o bolor e o peso de métodos, currículos e
formações ora substanciais no conteúdo e ve-
lhas no código, ora vazias de saber e mais mo-
dernas que a modernidade.
Viva a juventude. Viva Edu Lobo. Viva o
funk. E viva a educação.

JOGO DE VIOLA: O FESTIVAL DE 1968



"A fase internacional também se agitava, a despeito de algumas dificuldades para o diretor Augusto Marzagão. Vários convidados estrangeiros não se mostraram propensos a assistir ao FIC no Rio temendo vaias como as do ano anterior. A cantora Ella Fitzgerald, convidada para presidir o júri, foi a primeira a se manifestar temerosa, levando em conta as notícias que ouvira de Mancini, Nelson Riddle e Quincy Jones.
Marzagão garantia que o público seria comportado e não vaiaria os artistas, rebatendo a matéria de um jornalista alemão que meteu o pau no Festival anterior, tachando-o de bagunçado e dizendo que o público não tinha educação.
A lista de convidados do exterior que efetivamente vieram ao Rio incluía os cantores Paul Anka, Pino Donaggio, Kyu Sakamoto, Françoise Hardy, Jimmy Cliff, Dinah Shore, Cidalia Meirelles, o letrista Sammy Cahn e o compositor David Rose (que retornaram ao Rio), Ray Evans e Jay Livingston (autores de "Mona Lisa"), Harry Warren (autor de imensa obra, da qual se podem citar "I Only Have Eyes for You", "Lullaby of Broadway, "There Will Never Be Another You" e "The More I See You"), os regentes franceses Frank Pourcel e Paul Mauriat e o americano Don Costa.
Vinte e três composições concorreram na primeira eliminatória, realizada quinta-feira, 26 de setembro, mas apenas 5 mil pessoas compareceram ao Maracanãzinho.
Os apresentadores Hilton Gomes e Ilka Soares anunciaram a primeira canção, "Meu Sonho Antigo", de Sérgio Bittencourt, com Taiguara, na linha modinha fora de época, com uma levada de maxixe na segunda parte.
Das concorrentes inscritas pelo Rio, duas agradaram mais: "Dia da Vitória", a sétima apresentada, com uma letra tipo "desperta, povo!", foi indevidamente comparada a "Viola Enluarada", também de Marcos Valle, que a defendeu. A outra foi "Andança", a décima segunda concorrente, uma toada com canto e contracanto entre as vozes masculinas e afinadas dos Golden Boys e a feminina de Beth Carvalho, então uma garota de 22 anos que abandonara seu curso de Psicologia para se dedicar à música.
"Andança" era de autoria de três estudantes de Arquitetura, Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, que já eram amigos no Colégio Andrews e tornaram-se freqüentadores das festinhas semanais de música sob o comando da festeira-mor Beth Carvalho, namorada de Edmundo. Assim, nasceram canções e parcerias desse grupo, que foi aumentando, participando de festivais universitários, até formar o movimento Música Nossa, com as adesões de Arthur Verocai, Luiz Cláudio Ramos, António Adolfo, Joyce, Menescal,
 Edu Lobo, a cantora Lúcia Helena, às vezes grafada Lucelena, que seria a Lucina da dupla Luli e Lucina. Gonzaguinha e Ivan Lins também participaram mais tarde do Música Nossa.
Ainda como amadores, vários deles fizeram parte de uma caravana carioca que foi a Porto Alegre participar de um festival universitário em 1968.

A trinca de estudantes de Arquitetura obteve o segundo lugar com "Canto pra Dizer-te Adeus", cantada por Iracema Werneck, perdendo para "Jogo de Viola", cuja letra, do gaúcho João Alberto, impressionou fortemente Paulinho Tapajós". 


(Texto retirado do livro "A Era dos Festivais", de Zuza Homem de Mello)


Para ouvir Jogo de Viola, interpretada por Edu Lobo e Lucelena:

EDU NA REINAUGURAÇÃO DO SESC BELENZINHO

Reinauguração do Sesc Belenzinho, São Paulo, no dia 04 de dezembro de 2010. Show do grupo Pau Brasil, com participação de Edu Lobo, Mônica Salmaso, Renato Braz, Dori Caymmi e Joyce.